Saúde

E o acesso aos cuidados paliativos?
Os cuidados paliativos são de extrema importância e visam a prevenção, detecção e intervenção precoce no sofrimento gerado em todas as dimensões do ser, nomeadamente nas pessoas com doença incurável, avançada e progressiva. Infelizmente estes cuidados ainda enfrentam uma série de graves problemas, que impedem um verdadeiro acesso. Sabemos que cerca de 90% das pessoas que necessitam não têm acesso aos cuidados paliativos. No Serviço Nacional de Saúde estima-se que no máximo, apenas 10% da população necessitada seja referenciada para esta tipologia de serviços, quer estejam ou não incluídos na Rede Nacional de Cuidados Integrados. Segundo o relatório da Entidade Reguladora da Saúde*, entre Janeiro de 2011 e Setembro de 2012, apenas 3.450 doentes foram referenciados para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Fica claro que, nem o Serviço Nacional de Saúde, nem as entidades fora da rede e os privados conseguem dar uma resposta a estas milhares de pessoas, todos os anos. O desconhecimento da população em relação aos cuidados paliativos (não sabe onde os procurar); a referenciação tardia; a burocratização, com tempos de referenciação muito lentos que não se compadecem com as necessidades dos doentes (50% das pessoas morrem antes de serem chamadas) e a falta de regulamentação da actividade são 3 dos factores impeditivos de equidade e igualdade de acessibilidade a esta tipologia de serviços. Há uma clara necessidade de se implementar um efetivo Programa Nacional de Cuidados Paliativos de forma a obter ganhos na qualidade de vida dos doentes e suas famílias. A prioridade deverá ser dada à criação de uma rede de cuidados paliativos domiciliários, que apoiará a rede hospitalar, tendo sempre profissionais de saúde devidamente treinados, assim como efetivar o cumprimento do Despacho n.º 7968/2011 que impõe a criação das Equipas IntraHospitalares de Suporte em Cuidados Paliativos nos hospitais do SNS.

De acordo com os dados do INE de 2007, mas que são muito pouco díspares dos atuais, estima-se que faleceram no país 103.512 pessoas, sendo que 62.107 tiveram necessidade de cuidados paliativos. Assim, haverá necessidade de uma média de**:

  • 133 equipas de cuidados paliativos domiciliários, com 265 médicos e 465 enfermeiros com formação específica)
  • 102 equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos (com 204 médicos e 357 enfermeiros com formação específica)
  • 1062 camas para internamento, o que corresponde a cerca de 89 unidades (30% delas em hospitais de agudos e as restantes noutras tipologias de instituições) com 200 médicos e 500 enfermeiros/dia

Durante o VII Congresso Nacional de Cuidados Paliativos será apresentado uma meta-análise internacional sobre cuidados paliativos domiciliários, revelando também que mais de 50% dos doentes prefere morrer em casa. Foram analisados dados relativos a mais de 37.500 doentes em todo o mundo e conclui-se que as pessoas que recebem cuidados paliativos domiciliários têm um maior controlo sintomático do que se receberem cuidados convencionais, assim como têm cerca de 2,1 vezes mais probabilidade de falecerem em casa do que os cuidados em outras tipologias. Estes resultados demonstram, pela primeira vez, evidência clara e fidedigna dos benefícios da prestação de cuidados paliativos domiciliários. A criação de mais equipas domiciliárias deverá ser uma preocupação central, para melhorar os cuidados de saúde prestados a todos aqueles que se aproximam do fim da vida e às suas famílias. Infelizmente, em Portugal temos apenas 10 equipas de cuidados paliativos domiciliários para um universo de mais de sessenta e dois mil doentes.

* Estudo Entidade Reguladora da Saúde, 5 de Fevereiro de 2013: "AVALIAÇÃO DO ACESSO DOS UTENTES AOS CUIDADOS CONTINUADOS DE SAÚDE";
** "Cuidados Paliativos – Uma Proposta para Portugal", por Manuel Luís Capelas, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa.

Por Manuel Luís Capelas, presidente Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos


Fonte: http://www.vitalhealth.pt/opiniao/1665-e-o-acesso-aos-cuidados-paliativos