Saúde

A amamentação é protetora contra a obesidade: facto ou mito? 
Há cerca de 10 anos uma série de estudos observacionais realizados em países desenvolvidos, começavam a pôr em evidência uma associação entre o aleitamento materno e a redução do Índice de Massa Corporal (I.M.C), em crianças, adolescentes e adultos. Estes estudos indicavam também que essa redução do IMC era diretamente proporcional à duração total do aleitamento, e positivamente influenciada pela sua prática exclusiva nos primeiros meses de vida.Para explicar como uma prática alimentar precoce influenciaria a composição corporal numa idade muito mais avançada, foram aduzidos vários tipos de explicação, nomeadamente: Presença de determinadas hormonas ou outras substâncias no leite materno (leptina, adiponectina e greleína) que induziriam uma saciedade mais precoce do bebé. Baixo conteúdo proteico desse leite, motivando uma menor produção no lactente de IGF-1, evitando um ressalto de adiposidade mais precoce (que se relaciona com um maior risco de adiposidade na adolescência). Nos bebés alimentados por fórmula, muitas vezes as mães procuram que bebam a quantidade toda presente no biberão, ao contrário do que sucede quando amamentam, em que desconhecem a totalidade do que beberam, originando uma menor ingestão calórica.

A trajetória da obesidade, que parece começar a definir-se nos primeiros anos de vida, mantendo-se na adolescência e prolongando-se para a idade adulta, reforçaria também a superioridade do aleitamento materno, já que as crianças amamentadas são em média mais magras, a partir do primeiro quadrimestre, do que as alimentadas por fórmula. No entanto o aparecimento de meta-análises, compreendendo diversos estudos observacionais, permitiu evidenciar a presença de diversos fatores de confundimento e enviesamento, nomeadamente a relação entre o aleitamento e o maior nível socioeconómico, cuja correção tornava mais ténue a relação anteriormente demonstrada do benefício da amamentação sobre o risco de obesidade futura. Finalmente a publicação dos resultados de um grande estudo observacional randomizado não revelou diferenças nos 2 grupos (que diferiam quanto à duração total da amamentação) nem pelos 6, nem pelos 10 anos no que concerne ao valor do IMC. Assim, segundo os melhores dados científicos nesta data, a haver algum, o efeito de proteção do aleitamento materno sobre o risco de obesidade futura é diminuto e provavelmente não significativo como medida de prevenção global. Este facto não invalida que se continue a defender esta prática, já que apresenta benefícios comprovados numa série de outros aspetos da saúde e desenvolvimento infantil. 

Por Gonçalo Cordeiro Ferreira, pediatra no Hospital de D. Estefânia
Texto original publicado no Jornal de Congresso do 17.º Congresso Português de Obesidade, novembro 2013